Metaverso: Você está preparado?

Raul Candeloro – Diretor e editor da REVISTA VENDA MAIS

Quando lancei a VendaMais (na época com o nome de Técnicas de Venda), em abril de 1994, apresentei na capa a imagem de um telefone, acompanhado da seguinte chamada: “Como vender por telefone”. Na época isso era um avanço: só existia venda pessoal, contato direto. Vender por telefone era uma novidade (até porque nem todo mundo tinha telefone – era supercaro, tinha fila para comprar na estatal responsável, os impulsos eram caríssimos…).

Hoje, você fala uma coisa dessas e todo mundo dá risada. Mas, acredite: muita gente em Vendas resistiu a vender por telefone, argumentando que o cliente nunca ia querer comprar dessa forma. Aliás, falaram a mesma coisa do fax (eu comecei a VendaMais recebendo pedidos de assinatura por fax), depois falaram a mesma coisa do e-mail, depois de ter site próprio, depois de ter e-commerce. Lembra quando saíram os primeiros celulares Motorola? Um tijolão de 45 quilos que custava uma fortuna, tinha ANTENA e só pegava em três bairros da cidade? Todo mundo dizia que aquilo era um absurdo, ‘quem é que vai querer ter um celular?’. O mundo evolui e a gente evolui com ele. Uns evoluem mais rapidamente, outros passam por esse processo de forma mais lenta. Uns mais alegres e dispostos, outros ranzinzas e resmungões. Mas uma vez que o trem partiu, meu amigo, minha amiga… aperte os cintos que o piloto sumiu. E hoje em dia os trens são trem bala!

Você pode aproveitar a oportunidade, entender o que está acontecendo e se posicionar proativamente ou pode ser levado pela correnteza. Protagonista ou plateia, essa é a decisão. Prever o futuro é muito difícil, mas visualizar tendências e direção não é. Em Vendas, tendência e direção estão claras: cada vez mais tecnologia na interação com clientes e no aumento da eficiência dos processos da equipe comercial. O que nos traz ao metaverso. Passado, presente e futuro O termo metaverso foi apresentado por Neal Stephenson em Nevasca. No livro – uma ficção científica publicada em 1992 –, o autor descreve o metaverso como um lugar imaginário compartilhado, disponível para as pessoas através de cabos de fibra ótica (não existia wifi na época) e projetado através de óculos de realidade virtual. Pense no metaverso como ‘internet 3D’ ou internet espacial. Ou seja, tudo o que já fazemos na internet (e possivelmente algumas coisas da vida real), só que num universo paralelo tridimensional. A pessoa que pergunta “mas por que alguém ia querer isso?”, provavelmente está pensando do mesmo jeito que aquelas pessoas que pensavam que ninguém ia querer ou precisar de um computador pessoal, ainda mais em casa.

Ou um telefone que você pode levar para cá e para lá. Ou um site em que você pode postar o que está fazendo ou pensando. Toda novidade tecnológica passa por esse momento de questionamento e ceticismo. E com razão, pois muita coisa é inútil mesmo. Por exemplo: quando a popularidade do Second Life cresceu no Brasil, no fim da primeira década deste século, tivemos um grande debate na equipe editorial da VM sobre o impacto que isso teria em Vendas. Depois de muitas idas e vindas (e de eu ter passado um tempo lá dentro), para mim ficou claro que o impacto seria ZERO. Era chato, lento, limitado e não havia um grande propósito ou motivo para estar ali. Acho que eu estava certo, porque nunca mais ninguém ouviu falar de Second Life. E nunca falamos sobre isso na VM. Mas o avanço da tecnologia mudou o cenário completamente, e agora estamos num ponto (usando uma expressão já batida e desgastada, mas ainda assim correta) de quebra de paradigma. Metaverso é enorme demais para ser modismo.

No metaverso de Nevasca, desenvolvedores podiam construir prédios e parques, bem como coisas que não existiam na realidade – como bairros inteiros onde as leis do tempo espaço são ignoradas e áreas de combate onde as pessoas podem se juntar para caçar e se matar. Esse tipo de linguajar e ambiente ficou sempre restrito aos videogames (Fortnite é um belo exemplo da descrição acima), mas, lentamente, realidade e mundo virtual começaram a se misturar mais. Se você tem filhos menores, saberá da fascinação que muitos têm pelo Roblox. Minecraft, outro jogo grande da área, tem 140 milhões de usuários ativos. Axie Infinity tem feito o maior sucesso em países como Filipinas, México e Brasil, onde jogadores ganham dinheiro jogando online num mundo virtual em que criam dragões que lutam. Se tudo isso parece distante da sua realidade, pare para pensar que tempos atrás Netflix, Facebook, Instagram, Snapchat, e-commerce, WhatsApp (e pagar contas por WhatsApp!), PIX, reuniões por Skype, Zoom, Google Meet e Teams, bancos online, Spotify também eram todos ficção.

Meus filhos, por exemplo, não assistem mais TV. Só YouTube e TikTok. Se, dez anos atrás, alguém lhe dissesse que crianças não iam mais ver TV e passariam a assistir uma programação desconexa, com baixa qualidade e criada pelos próprios usuários, você acreditaria? A velocidade com que novas tecnologias são lançadas, mas, principalmente, passam a ter viabilidade e adoção em massa, é exponencial. Para quem vem de um modelo tradicional, é difícil entender e acompanhar. Mais: é difícil até de aceitar aquilo como real, verdadeiro ou que tenha valor. Quando a Netflix lançou o que na época era um novo modelo de negócio (streaming de vídeos), as ações da empresa caíram, porque o mercado achava que eles tinham que continuar com os DVDs.

Reed Hastings, CEO da empresa, explicava que DVD ia acabar e todo mundo falava que não. “Quem é que vai ter banda larga e dinheiro para fazer streaming, ainda mais em massa?”, era o questionamento de muitos. Para Hastings o futuro não estava totalmente claro, mas a tendência e a direção sim. (Inclusive, a Blockbuster teve a oportunidade de comprar a Netflix e deixou passar porque era líder de mercado e não via valor naquele modelo de negócio) Na última apresentação de resultados que fez sobre o Facebook, Mark Zuckerberg citou o metaverso mais de 80 vezes e falou que vai investir US$ 10 bilhões nos seus laboratórios de desenvolvimento para avançar o projeto. Tanto que mudou até o nome da empresa para Meta.

Eu não sei você, mas quando uma das pessoas mais ricas do mundo diz que vai investir 10 bilhões de dólares em algo que acredita ser o futuro, eu paro para prestar atenção. Facebook e Instagram viraram ferramentas fundamentais de prospecção de novos clientes para muitas empresas, e WhatsApp, como ferramenta de contato. Não sou muito fã, mas claramente Zuckerberg é um visionário que faz as coisas acontecerem. Acabou de mudar o nome da empresa toda para Meta. Já é um sinal forte de alerta. Se você é usuário do Facebook, do Instagram ou do WhatsApp, já sabe a direção para a qual vai ser levado.

A questão é se vamos ser proativos ou não, se vamos ser protagonistas ou espectadores. Mais: no dia seguinte à apresentação do Zuck, a Microsoft comunicou que já está trabalhando no metaverso em duas frentes – Xbox (caminho natural, via games e público mais jovem), mas, surpreendentemente, também pelo Teams, que é totalmente corporativo. Ou seja, em breve teremos nossos avatares participando de encontros de trabalho e negócios. Microsoft, diga-se de passagem, é a maior empresa do mundo em termos de valor de mercado.

Não sei você, mas quando a empresa mais valiosa do mercado diz que vai investir na mesma coisa que a quinta pessoa mais rica do mundo acabou de dizer que é o futuro, eu paro para prestar ainda mais atenção. Dois dias depois, NVIDIA, hoje a maior fabricante de chips do planeta (passou a Intel) lançou o Omniverse Avatar, uma plataforma que permite que os usuários utilizem recursos de inteligência artificial, entendimento natural de linguagem, visão espacial para criar avatares que conseguem se comunicar com seres humanos. Apple, Google e Amazon estão todas envolvidas nisso também.

De novo: não sabemos exatamente como será o futuro, mas tendência e direção estão claras. Metaverso vai acontecer e seremos protagonistas ou coadjuvantes. É basicamente a próxima versão, aprimorada, da internet. Num movimento liderado por Facebook e Microsoft, e com Apple, Google, Amazon e NVIDIA já atuantes na área. Seis das dez maiores empresas dos Estados Unidos já sinalizaram e falaram publicamente para onde estão indo.

Quer sinal mais claro do que isso? O metaverso é então o próximo grande avanço que revolucionará a forma como nos conectamos? É só um empacotamento requentado de coisas que já existem? É só mais um terminho da moda ou vaporware para conseguir atrair clientes e investimentos?

O QUE DEFINE O METAVERSO

De acordo com o especialista Matthew Ball, estes são os atributos que definem o metaverso:

1 ) Persistência: o metaverso não termina, pausa ou recomeça. Permanece ligado e ativo 24/7/365.

2 ) Sincronicidade: para quem estiver presente, o metaverso será uma experiência compartilhada que acontece ao mesmo tempo para todos e em tempo real, a qualquer momento.

3 ) Função econômica: exatamente como é hoje na internet, pessoas e empresas poderão criar, possuir, desenvolver, ajudar a criar e desenvolver, comprar e vender produtos e serviços (reais ou virtuais).

4 ) Escopo: o metaverso será uma experiência conectando mundo real e virtual, diversos tipos de rede, com espaços públicos e privados.

5 ) Interoperabilidade: no metaverso, dados, conteúdo, itens, acessórios podem migrar livremente de uma plataforma ou rede para outra.

6 ) Contribuição: pessoas e empresas poderão construir e conquistar seu espaço através de conteúdo, experiências, locais, produtos e serviços.

Como isso nos impacta em Vendas?

Acho que isso nos impacta de formas diversas e bem importantes, mas é prioritário e fundamental entender antes as três dimensões que precisam ser avaliadas. Uma é a dimensão estratégica: Como isso pode afetar nosso modelo de negócio? Outra é a dimensão tática: Como isso pode alterar nossos processos e rotinas de trabalho? Outra é operacional: Como colocamos isso em prática? Noto que 99% das vezes a discussão sobre tecnologia nas empresas começa de baixo para cima e, por causa disso, não evolui. Ainda mais se os gestores são pessoas que bloqueiam, de maneira consciente ou não, a evolução e a transformação tecnológica das suas próprias empresas e rotinas de trabalho.

Como em toda tecnologia, vamos ter uma curva de adoção: Os inovadores (2%); Os early adopters (13%); A maioria inicial (34%); A maioria atrasada (34%); Os retardatários (17%). A grande pergunta é: em qual destes grupos você vai estar? Quem na sua empresa está preparado – de verdade! – para opinar de maneira educada e sem preconceitos sobre realidade virtual e metaverso? Note que nem falei sobre como usar a tecnologia. Se não entendermos o que está acontecendo ou o que está sendo dito, não vamos nem poder opinar! O resultado é que acabamos sendo reféns da nossa ignorância e não aproveitamos ao máximo o potencial que temos de otimizar a oportunidade.

Ao invés de assumir uma postura de liderança em relação a tudo isso, somos espectadores. Corremos o risco enorme de não sermos apenas atrasados, mas retardatários. Algo novo está sendo construído e podemos participar. É uma corrida nova, em território novo. Queremos realmente participar? Vamos participar? Como? Essas são as perguntas que a área de Vendas precisa se fazer. De forma geral, temos visto uma grande dificuldade da área comercial de se adaptar rapidamente ao uso das novas ferramentas e tecnologias disponíveis. Basta ver a adoção de CRMs por parte das equipes de vendas.

Menos de 50% das empresas hoje no Brasil usam a ferramenta que é um dos passos iniciais no processo de otimizar processos comerciais. Tenho passado pelo menos duas ou três horas por semana estudando o assunto metaverso e uma coisa eu sei: vou comprar um óculos de realidade virtual e começar a entender melhor o processo. Vou respirar fundo e entrar em Minecraft e Roblox. Vou tirar meus óculos preconceituosos e colocar óculos novos, um olhar novo sobre algo que achei que era brincadeira de crianças, mas avançou de forma assustadora e agora bate à nossa porta.

Quero entender isso melhor porque acredito que o futuro das vendas passa por aí. No mínimo, vamos estudar muito o assunto, experimentar, trazer para o debate, pois assim pelo menos tomamos uma decisão educada (e não só baseada nos nossos próprios preconceitos e limitações de conhecimento). Vejo uma revolução acontecendo bem na nossa frente. Você está preparado? Como vai participar? É difícil prever o futuro, mas é fácil entender a tendência e a direção.

Para terminar, dois comentários finais bem rápidos:

a ) O caminho de tudo isso passa muito forte por realidade aumentada, que caiu em desuso e ficou fora de moda por causa do excesso de promessas que não se concretizaram. Aguarde muitas novidades nessa área também porque agora já não é mais vaporware.

b ) Criptomoedas e criptoativos são uma tendência natural nesse processo de metaverso. Se você ainda não estudou e se aprofundou nessa área, recomendo fortemente. Não só como investidor, mas para entender o que está acontecendo com ativos, dinheiro, tecnologia e comunidades e encontro entre mundo real e virtual.